Lobo, R. H.. Os filósofos e a arte
vb. criado em 03/02/2015, 21h44m..
Para filósofos que trataram da arte e da estética e não aparecem na obra aqui resenhada, v.: 1. Santayana. V. Estética
Esta é a f. de l. desta obra: Haddock-Lobo, Rafael (Org.) (2010). Os Filósofos e a Arte. Rio de Janeiro : Rocco, 2010. Neste material é abreviado como FEAA.
intro
Alfred Whitehead: podemos pensar toda a filosofia (~f) ocidental como uma grande nota de pé de página à filosofia de Platão (cit. não literal).Kant: a grande discussão do pensamento e crÃtica da arte moderna, que é a questão do gosto.
Hegel dialoga com o romantismo e propõe uma fil. do belo artÃstico, excluindo dele o belo natural.
Panorama contemporâneo, 3 momentos: 1º, Fenomenologia (Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty); 2º, teoria crÃtica (Benjamin, Adorno, Marcuse); 3º, pós-modernidade (herdeiros de um mundo fragmentado, marcado pela queda dos grandes discursos e das pretensões de sistematização; as grandes narrativas perdem seu sentido; retorno a Nietzsche; não mais sistematizar e classificar, mas conviver com o precário e o fragmentado, que está mais próximo do que se pode chamar de real; Foucault, Deleuze, Derrida).
Estética é relação, que envolve risco e oferta. Nossa tarefa consiste em servirmos de interlocutores entre a obra e o mundo. Não podemos ocultar nada de nós mesmos nem esperar nada da obra.
Platão
Conceitos fundamentais: entusiasmo (~e) e mÃmese (~m), que correspondem a duas estratégias distintas para retirar dos poetas o poder de falar à cidade em nome do conhecimento (v.#1). São mutuamente excludentes. Pilares da estética (~es) moderna.A República: uma cidade de palavras. Uma cidade justa que corresponde ao indivÃduo justo. “Nosso argumento nos força a expulsar a poesia da cidadeâ€. Qualquer que seja a obra, deve ser proibida de tratar do vÃcio, da licença, da baixeza. Cabe na cidade um tipo só de poeta, o austero, que só imita os modelos prescritos pela cidade.
(#1) A tradição grega sempre reconheceu na poesia sua principal fonte de conhecimento: uma enciclopédia tribal. Poeta, autoridade suprema. Platão (~P) queria derrubar a pretensão da poesia de responder à s grandes questões sobre a vida humana disputando com a ~f no terreno ético-polÃtico-metafÃsico.
~P não via a arte como autônoma, isto é, separável dos valores éticos, polÃticos ou de outra natureza (porque essa era a visão da sua época). Hoje, a autonomia é justamente o aspecto fundamental da arte. Conceito moderno de arte, dois pressupostos: 1º, a beleza é inteiramente separável de qualquer valor ético, epistêmico, útil; 2º, o valor estético está ligado ao modo como experimentamos algo, ao tipo de sensação, emoção, satisfação, elevação, prazer, que revela seu valor intrÃnseco no próprio ato da experimentação. ~P nega esses dois pressupostos.
Notar também que no tempo de ~P a performance poética (declamação acompanhada de instrumento musical) é o acontecimento poético por excelência (m.c.: poesia não era uma forma de literatura, porque não existia literatura, mas uma forma de performance, de representação teatral). ~P opõe a performance ao elenchos, método de exame e refutação.
Doutrina do ~e: a poesia é resultado de intervenção divina. 1ª teoria de ~P, substituÃda, mais tarde, pela da ~m. Útil para desautorizar o poeta, porque retira dele a participação efetiva no processo de criação [m.c.: o que parece idiota, porque se a poesia viesse dos deuses, seria muito mais confiável que a ~f]. O ~e não implicava necessariamente em perda da consciência, possessão ou transe.
~P designa o poeta como hermeneus, tradutor, e, mais tarde, dá ao termo o significado de transmissor. O rapsodo não sabe do que fala, pode fazer performance mas não demonstração.
~P fala de duas formas de comunicação entre deuses e homens: a intensiva, eletromagnética, da poesia, que transmite coisas belas mas não dá acesso às significações primeiras; a dialética, a partir de operações da inteligência, que demonstra que os autores da poesia são os deuses.
A doutrina da ~m pressupõe o poeta engajado no processo de fabricação de imagens, como produtor, e pode, assim, ser responsabilizado. Mas o procedimento se assemelha a uma ténica, só que não passa de empiria (falsa técnica).
Distingue corpo de alma, a partir da noção de saúde, e define as técnicas que visam a saúde do corpo e as que visam a saúde da alma. Para o corpo a ginástica, para a alma a legislação; para o corpo a medicina, para a alma a justiça. Inclui a poesia no gênero das práticas de prazer (persegue o que é mais prazeroso). Quer evitar o embaralhamento dos domÃnios (arte/~f), que levaria à ruÃna do seu projeto filosófico. DomÃnios: a) sensÃvel, doxa (v. #2), corpo, prazer; b) inteligÃvel, episteme, alma, bem.
(#2) Doxa: crença comum ou opinião popular. Senso comum.
O prazer tem uma função cognitiva: faz crer, cria convicções e promove uma visão do mundo. “é-se levado a tomar a causa da afecção como a coisa mais evidente e verdadeiraâ€. “Cada prazer ou cada dor funciona como pregos que prendem a alma ao corpo, fixando-a nele e dando a ela uma forma corporal, a ponto de fazedr que ela tome por verdadeiro tudo o que o corpo afirma serâ€.
Elementos artÃsticos: simetria, proporção, ritmo.
Mimesthai, verbo, significa agir como alguém, agir na forma de emulação. A força da performance artÃstica está em envolver o espectador (~sp) no processo de emulação. O ~sp, ao se entragar à s emoções que estão em jogo na cena, sofre, através da imaginação, uma identificação empática com o personagem. O prazer que experimenta na performance é inseparável da metamorfose que ele mesmo sofre. Um ~sp incapaz de simular alteridades, emoções e modificações não desfruta do prazer da cena. O prazer vem de um instinto humano profundo, uma espécie de apetite enraizado na alma - mas não na sua melhor parte - que exige ser saciado.
A ~m é a representação da aparência. Conhecimento, para ser verdadeiro, só pode ser conhecimento da Forma (a Ideia, o Arquétipo). Mas não existe caminho contÃnuo que leve do sensÃvel à Forma. A imagem mimética é a imagem da imagem: a aparência da aparência. A arte potencializa a experiência sensÃvel, intensifica as emoções a ponto de impedir a descoberta da imperfeição do sensÃvel, que é imagem imperfeita da Forma. A arte oculta a deficiência do sensÃvel, tornando-o autossuficiente. Apaga a fronteira entre a imagem e o original. Distante da beleza verdadeira, o ~sp “extasia-se com as cores, as formas, os sons e com todas as obras feitas com esses elementos, embora o seu espÃrito seja incapaz de discernir e de amar a natureza do Belo em siâ€. Ora, a ~f começa exatamente no reconhecimento da deficiência do sensÃvel e acaba no seu esquecimento (m.c.: no esquecimento do sensÃvel, não da sua deficiência).
Para ~P a Beleza é um assunto importante demais para ser tratado por artistas.
Desde a renascença é recorrente o modelo do artista que tem acesso a um plano de realidade que ultrapassa os limites da experiência humana.
Aristóteles
abrev.: Aristóteles .a.; arte =aPara os gregos todo trabalho é =a. Aquilo que chamamos =a em .a. é 'arte mimética', como a poesia: artes da imitação. O que a poesia imita é sobretudo o caráter dos homens.
~P, para rebaixar a poesia, a enquadrava no mesmo patamar da pintura e da escultura, que eram coisa de artesão, artÃfice manual, gente inferior. /44/ Só no Renascimento essa visão mudou /46/.
.a. deixa todas as =a, exceto as literárias, no mesmo patamar em que ~P as pusera. 44
Se para ~P a imitação era distanciamento da verdade, falsidade e ilusão, para .a. é o lugar do reconhecimento e da representação. /44/ É da natureza do homem imitar, por isso ele representa o mundo e tem linguagem, e se compraz em conhecer e reconhecer, em experimentar e saborear as diferenças do real. “O imitar é congênito no homem ... e os homens se comprazem no imitado†/54.
Para .a. a função mimética não é exclusiva das artes, está também ma linguagem humana, na sua função de representar as coisas (no desempenho da função de imitar a realidade (adequar o nome ou signo à coisa significada) é que a linguagem contém a verdade ou o falso). 45
Visão moderna: a finalidade da obra de =a está na sua própria fruição, belas são as coisas que desejamos por elas mesmas, e úteis as que desejamos em vista de outro bem (Kant, o juÃzo de belo é um juÃzo de valor desinteressado). /47
Atividade mais nobre e divina do homem: a contemplação. Mais do que produzir coisas belas, é importante aprender a agir de modo belo. “O ócio e as coisas feitas por si mesmas, as coisas belas, ... não apenas valem mais, mas, além disso, devem determinar e dominar as coisas úteis e necessárias, pois no final das contas elas devem servir a esta vida humana livre, ociosa, divina, cuja ação mais feliz é a contemplação do real, da verdade, das coisas belas†/48.
Música didática ou ética, de um lado (ensinam o ethos heroico, os valores que dignificam a pessoa), e orgiástica ou catártica de outro (o espetáculo tem o poder de purgar, não o de ensinar). Música é toda atividade propiciada pelas musas (epopeia, tragédia, comédia, poesia, erótica, astronomia, história).
Ao contrário de ~P .a. vê no poeta uma visão sobre o real que o aproxima da perspectiva universal de conhecimento, como o filósofo /49. “A poesia tende mais a representar o universal, a história, o particular†/50.
A teoria da catarse se perdeu com o desaparecimento do segundo livro da Poética.
“O belo consta de grandeza e de ordemâ€. Não pode ser belo o que é grande demais, porque “o olho não pode alcançar todo o objeto no seu conjunto, e fogem, a quem olha, a unidade e sua orgânica totalidade†/53.
“O fim da arte é imitar perfeitamente a natureza. ... imitar a natureza não quer dizer copiá-la, mas sim imitar seus processos†([Fernando Pessoa]) /53.
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